Friday, November 26, 2010

anotações digitais - sobre Febver e Bloch


"Quase no século XX, graças aos movimentos populares reivindicando
participação política e a divulgação de concepções marxistas, tornou-se possível
relativizar a tendência que tinham os historiadores de valorizar os grandes
homens. Assim, os pensadores do social se voltaram para o grupo, deixando em
segundo plano o indivíduo e passando, como diz Duby, a observar o coletivo e
negligenciar os simples acontecimentos. Com essa perspectiva nasceu a
Sociologia. A idéia de consciência coletiva surgiu com Durkheim, que iniciou
estudos sobre atitudes mentais, não consideradas como particulares, mas comuns
a todo um grupo. Tentava-se ligar as representações coletivas e as condutas
individuais a uma realidade social, ou melhor, buscava-se explicar o coletivo e
o particular, a partir da organização da sociedade - vinculação que se mostra
evidente na obra de Lucien Febvre4."
"A junção entre psicologia, linguistica, etnologia e história foi a grande
marca de Febvre... Entretanto, nunca deixa de compará-los ao meio que os cerca e os forma. A relação dialética entre indivíduo e sociedade é o tema central da obra
"febvreana", onde o particular e o social são vistos em conjunto, buscando
sempre complementariedade que possibilita a compreensão mais profunda do
objeto em questão. Analisando o mesmo assunto, é importante refletir sobre as
palavras de Mandrou:
'A psicologia coletiva de um grupo não é a soma das
psicologias individuais dos participantes, o grupo não é uma simples
a d i ç ã o de i n d i v í d u o . Os métodos de uma p e s q u i s a não são
imediatamente transportáveis ao grupo, nem à sociedade global'
(MANDROU, R. L'histoire des mentalités. In: artigo Histoire, In: Encyclopaedia
Universalis. Paris, v. VIII, 1968. p. 437. A complementariedade entre psiquismo
individual e a estrutura social, referida a pouco por Febvre, é mais uma contribuição de M. Mauss, que possibilitou a interdiciplinariedade, sobretudo entre etnologia (história) e psicologia; interação que se torna possível com a introdução da noção de inconsciente.)...
Problema da Descrença no Século XVI. A religião de Rabelais (Paris,
1942) e Em torno do Heptaméron. Amor Sagrado. Amor Profano(Paris 1944),
são obras onde a temática do indivíduo/sociedade é uma constante. A partir de
Rabelais e Margarida de Navarra, ambos escritores franceses do século XVI,
Febvre aborda as grandes questões religiosas do século. Na verdade, tanto um
quanto o outro são personagens da modernidade, época de distanciamento entre
a Igreja, como instituição e Deus. A Igreja, assim, deixa de ser a intermediação
entre Deus e os homens, o que permite aos horneas manterem a sua fé e "dar as
costas" aos representantes da Igreja.
"O impulso religioso não morre, (...) mas é transferido da cena oficial para dentro do ser humano. A religião transforma-se numa questão privada"(HELLER, Agnes. O Homem do Renascimento)
"Utensilagem mental é: 'inventariar em detalhes e depois recompor, para a época
estudada, o material mental de que dispunham os homens desta época; através de um esforço de erudição, mas também de imaginação, reconstruir o universo, físico, intelectual, moral, no meio do qual se moveram as gerações que o precederam; tornar evidente, de um lado, a insuficiência das noções de fato sobre tal ou tal ponto; por outro lado, o estudo da natureza engendraria necessariamente lacunas e
deformações nas representações que certa coletividade histórica
forjaria do mundo, da vida, da religião, da política'(FEBVRE, L., Combats pour I'Histoire. p. 218.)
--> http://www.revistasusp.sibi.usp.br/pdf/rh/n122/a05n122.pdf



"...A Revista dos Annales surge numa época em que a "escola metódica" exalta a sua preocupação com a erudição, privilegiando a dimensão política - procurando dar grande ênfase ao acontecimento. "A corrente inovadora (Annales) despreza o acontecimento e insiste na "longa duração"; deriva a sua atenção da vida política para a atividade econômica, a organização social e a psicologia coletiva." (Martim: 2000, 119) Dessa forma, esforçavam-se em aproximar a história das outras ciência humanas...'Os historiadores tradicionais pensam na história como essencialmente uma narrativa dos acontecimentos, enquanto a nova história está mais preocupada com a análise das estruturas.' (BURKE: 1992, 12)...
"O homem razoável adapta-se ao meio; o homem insensato tenta adaptar o meio; essa é uma razão porque todos os progressos são obras de imbecis." (FEBVRE: 1989, 22)...
Os Annales elaboraram, portanto, uma mudança substancial na compreensão do tempo histórico. A nouvelle histoire...foi a constatação e o reconhecimento das forças de inércias estruturais, que limitam a ação livre e que não tem pressa para verem a vitória da razão... A história da longa duração enfatiza os movimentos lentos e representa uma desaceleração das mudanças."
vale ler -->http://www.klepsidra.net/klepsidra7/annales.html

anotações digitais - sobre Roger Chartier



< http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/fundamentos/especialista-historia-leitura-427323.shtml >
Roger Chartier - questionou o papel da circulação e apropriação dos textos, enfatizando a distância entre o sentido atribuído pelo autor e por seus leitores.
* primeira grande revolução da história do livro foi o salto do rolo de papel para o códice
* a segunda está sendo o salto para o suporte eletrônico, no qual é a mesma superfície (uma tela) que exibe todos os tipos de obra já escritos.
"Chartier compreendeu que um texto não é uma simples abstração e que ele só existe graças à maneira como é transmitido", afirma Mary Del Priore

Da Resenha sobre o livro de roger chartier: a história cultural entre práticas e representações. de Ieda R. Amaral e Luciane M. Faria:
"Sua trajetória intelectual abrange várias linhas de pesquisa: uma primeira linha seria a história das instituições de ensino e das sociabilidades intelectuais; uma segunda linha de pesquisa, que perpassa o conjunto de sua obra, é constituída pela história do livro e das práticas de escrita e de leitura; uma terceira linha de pesquisa seria a análise e o debate entre política, cultura e cultura popular; uma outra linha ainda pode ser derivada de suas reflexões sobre o ofício de historiador, expressas em suas publicações e em suas atividades como divulgador de uma nova história." "A História Cultural, esclarece Chartier, é importante para identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma realidade social é construída, pensada, dada a ler... ele se preocupa com a forma através da qual os indivíduos se apropriam de determinados conceitos.Assim valoriza as mentalidades coletivas. Conceitos como os de utensilagem mental, visão de mundo e configuração têm importância fundamental para o estabelecimento de um diálogo com as fontes."


< http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/2479,1.shl >
Conversa com Roger Chartier Por Isabel Lustosa

"Chartier resistiu bravamente a se tornar ele mesmo objeto de estudo, mas no exercício legítimo desta resistência nos proporciona aqui uma interessante reflexão sobre a questão biográfica."
"de Wright Mills: "A erudição é uma escolha de como viver e ao mesmo tempo uma escolha de carreira; quer o sabia ou não, o trabalhador intelectual forma seu próprio eu à medida que se aproxima da perfeição de seu ofício"."
--> Roger Chartier: Tenho sempre uma certa prudência com questões pessoais. Acho que, quando a gente fala de si, constrói algo impossível de ser sincero, uma representação de si para os que vão ler ou para si mesmo...Outro aspecto da ilusão biográfica ou autobiográfica é pensar que as coisas são muito originais, singulares, pessoais, quando são, na verdade, freqüentemente, experiências coletivas, compartilhadas com as pessoas pertencentes a uma mesma geração. Ao fazer um relato autobiográfico é quase impossível evitar cair nesta dupla ilusão: ou a ilusão da singularidade das pessoas frente às experiências compartilhadas ou a ilusão da coerência perfeita numa trajetória de vida...
Chartier: Traduzido para o francês como “La culture du pauvre”, o livro de Hoggart é realmente maravilhoso, pois consegue articular elementos biográficos com uma reflexão profunda sobre a mídia voltada para as classes populares.O principal propósito desse livro é questionar a idéia segundo a qual todos os leitores ou ouvintes das produções dessa indústria cultural acreditavam piamente em suas mensagens...“mass media” do tempo -rádio, cinema e revistas- impunham... Hoggart queria mostrar que havia uma relação muito mais complexa, ambivalente, entre crer e não crer, aceitar a ficção e, ao mesmo tempo, ter a consciência de que se trata de um mundo irreal...
Na Lyon da minha infância ia-se à ópera como se ia ao cinema, duas, três vezes por semana. Era uma apropriação muito popular não de todo o repertório da ópera, mas principalmente da ópera italiana, de Verdi, dos franceses. Meu pai viu “Carmen” 25 vezes. Essa relação mudou entre os anos 1960 e 1970, quando este mundo dos artesãos foi gradativamente desaparecendo e, em seu lugar, surgiu uma fratura mais profunda entre o mundo dos que vão à ópera e o dos que gostam de outra forma de diversão...
Agora há uma fragmentação infinita... É uma forma de fragmentação cultural que também se pode ver como uma forma de liberdade e de diversificação. Mas ao mesmo tempo, 68 marca também o desaparecimento de uma cultura compartilhada e arraigada numa referência como a literatura nacional e universal."

< http://carlosscomazzon.wordpress.com/2008/12/26/a-midia-eletronica-segundo-roger-chartier/ >
A mídia eletrônica segundo Roger Chartier
"A aventura do livro, lançado pela Editora Unesp, no qual o autor enfoca de maneira instigante a reorganização do mundo da escrita após a internet...Segundo ele, se a tecnologia for amplamente utilizada dentro do mundo escolar, será possível criar uma nova geração de leitores e difundir ainda mais a leitura. 'Não há uma imposição da cultura eletrônica sobre a cultura escrita'”
"Roger Chartier – As novas tecnologias poderiam ajudar a criar uma nova geração de leitores e a difundir a leitura, se pensarmos em sua utilização dentro do mundo escolar... É uma responsabilidade que vejo não somente como sendo da escola, senão também como de outras instituições contemporâneas como a mídia – televisão e jornal ...Estas instituições são incumbidas de cultivar a importância da leitura para que o cidadão possa conhecer sua sociedade e ter ferramentas críticas para compreender sua situação, os mecanismos que governam sua condição e a relação com outras pessoas e com os poderes.A partir da leitura, o cidadão moderno pode ter uma relação crítica e mais neutra com os mecanismos da sociedade que regem seu dia-a-dia e, assim, ser menos dominado por eles...
Roger Chartier – Existem diversas definições de analfabeto. A clássica, existente no Brasil e em outros países, é aquela em que o indivíduo não sabe ler nem escrever...Acho que saber ler e escrever não seja suficiente para “ler” e “escrever”.. Faz-se necessário a familiaridade com a escrita, no sentido que o indivíduo tenha uma cultura que o faça pensar por si mesmo, na relação com os outros e nas relações com os poderes econômicos, sociais e políticos...
Roger Chartier – Devemos ter em mente que Gutenberg criou a imprensa e não o livro da forma como o conhecemos. O livro nasceu nos primeiros séculos da era cristã e se diferenciava dos livros em rolo dos romanos e dos gregos. Com o tempo ele adquiriu a forma como nós conhecemos: com as folhas dobradas, as páginas e a encadernação. O livro chamado pelos historiadores de códice existiu antes e depois de Gutenberg. Nossa relação com o texto está ligada não só à técnica de Gutemberg, mas, principalmente, ao formato de livro que permite ler e escrever, folhear e criar índices. Isto não era possível com o livro da antiguidade. O rolo não pode ser folheado porque não tem folhas, não pode ser paginado porque não tem páginas e nem índices. Todo nosso relacionamento corporal com a cultura escrita está vinculado à forma de livros como conhecemos. Por esta razão, o texto eletrônico lança um grande desafio ao requerer uma mudança de hábitos. Temos que ler em frente a uma tela de computador, existe o teclado e o texto é lido como se fosse um rolo. Mas ao mesmo tempo utilizam-se todos os códigos de um livro: a paginação, o índice…
Um livro é ...uma obra com uma identidade, uma coerência e um autor. É a cultura do código, a vinculação objeto-obra, que desaparece com o texto no computador...O desafio é como conseguir ver o livro digital como obra coerente, com unidade e identidade."