Monday, October 18, 2010

sarah kane / 4:48 psicose

"Estou triste
Sinto que não há esperança no futuro e que as coisas não podem melhorar
Estou farta e insatisfeita com tudo
Sou um fracasso completo como pessoa
Sou culpada, estou a ser castigada
Gostava de me matar
Sabia chorar mas agora estou para além das lágrimas
Perdi o interesse nas outras pessoas
Não consigo tomar decisões
Não consigo comer
Não consigo dormir
Não consigo pensar
Não consigo ultrapassar a minha solidão, o meu medo, o meu desgosto
Sou gorda
Não consigo escrever
Não consigo amar
O meu irmão a morrer, o meu amante a morrer, estou a matá-los aos dois
Invisto na direcção da minha morte
Estou aterrorizada com a medicação
Não consigo fazer amor
Não consigo foder
Não consigo estar sozinha
Não consigo estar com os outros
As minhas ancas são grandes de mais
Não gosto dos meus órgãos genitais
Às 4:48
quando o desespero me visitar
enforco-me
ao som da respiração do meu amante."


sarah kane
teatro completo
trad. pedro marques
campo das letras
2001

2 comments:

mari said...

aqui e em todo o lado
Soldado E tu agora concordas com tudo aquilo que eu disser.

Beija muito delicadamente Ian nos lábios.
Olham fixamente um para o outro.

Soldado Cheiras como ela. Os mesmos cigarros.

O Soldado vira Ian com uma mão.
Com a outra aponta o revólver à cabeça de Ian.
Puxa para baixo as calças de Ian, desaperta as suas e viola-o
— com os olhos fechados e a cheirar o cabelo de Ian.
O Soldado chora convulsivamente.

O rosto de Ian revela dor mas ele permanece em silêncio.

O Soldado termina, puxa as calças para cima e enfia o revól­ver no ânus de Ian.

Soldado O cabrão premiu o gatilho na Col.
Como é?

Ian (Tenta responder. Não consegue.)

Soldado (Retira a arma e senta-se ao lado de Ian.)
Nunca tinhas sido fodido por um homem?

Ian (Não responde.)

Soldado Também me pareceu. Não é nada. Já vi milhares de pessoas arrumadas dentro de camiões como porcos a tentar sair da cidade. As mulheres atiravam os bebés para dentro dos camiões à espera que alguém tomasse conta deles. Batiam umas contra as outras até à morte. A parte de dentro das cabeças saía pelos olhos. Vi uma criança com a cara meia desfeita, uma rapariga que fodi com as mãos dentro dela a tentar tirar os meus líquidos de lá, um homem a morrer à fome e a comer a perna da mulher morta. A arma nasceu aqui e não vai morrer. Não faças um drama por causa do teu cu. Não penses que o teu cu galês é diferente de qualquer outro cu que eu tenha fodido. De certeza que não tens mais comida, estou com uma fome do caraças.

Ian Vais matar-me?

Soldado Sempre a tentar salvar o cu.

O Soldado agarra a cabeça de Ian com as mãos.

Põe a boca por cima de um dos olhos de Ian, suga-o, arranca-o com os dentes e come-o.

Faz o mesmo ao outro olho.

Soldado Ele comeu os olhos dela.
Coitado do cabrão.
Coitado do amor.
Coitado do cabrão de merda.

Escuro.
O som de uma chuva de Outono.


in Ruínas, Sarah Kane
tradução de Pedro Marques

Anonymous said...

...Uma vertente do Budismo Tibetano diz que uma tradição pode viver se a nova geração for um quinto além da geração precedente, sem esquecer ou destruir suas descobertas....